quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Execução


Calamidade estreita
Do horror a carne se deleita
E o sentimento de fúria
Como uma arma à direita
Coloca-o no chão de joelhos
Pronto para tua vil execução

Meus poemas são problemas perfeitos
São o sangue que escorre do teu peito
A lágrima foragida insiste em cair
Enquanto olhos pálidos continuam a sorrir

Condenável exílio
Sem direito ao amor amigo
Retrato do escravo vivido
Condenado como foi o filho
Daquele que criou os homens
E um dia os destruirá também

Os olhos morrem e o corpo cai
As trevas riem, choram e saem
O triunfo dos homens que pagam
Sobre a morte dos homens que sabem

Cai a noite com a tinta vermelha
Eleva o sangue a uma obscuridade neutra
Dorme aqui mais um réu ferido
Entre os braços de um poema perdido
Enquanto a carne já não faz mais sentido
E o espírito é eternamente ferido.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Espasmos.



Contendo-se para não perder a voz, a cantora soltava suas últimas notas daquela ópera e caía ao chão, sua personagem mortificada. Se ela pudesse escolher, teria morrido ali mesmo, junto de sua personagem. Seu túmulo seria sua arte e seu legado seria sua morte.
Assim que os aplausos cessaram e ela finalmente pôde fugir daquele palco, das reverências e dos outros cantores, se trancou no camarim com suas rosas e a camisola branca da defunta do palco. Uma profunda dor tomou conta de seu peito e ela jogou para fora toda a agonia que viera segurando desde o primeiro ato. Tossiu, tossiu e tossiu, até que o sangue jorrasse no lenço. Tossiu mais e o sangue tornou carmim a camisola.
Tossiu novamente e o gosto de ferro provindo do sangue se misturou ao sal das lágrimas. Ela gemeu de um jeito esganiçado, dolorido, e caiu de joelhos. Soltou o ar bruscamente e sentiu seu peito latejar. Debruçou-se na cama e pegou uma das rosas do buquê, beijando-a. Unia os tons vermelhos de sua vida em um único gesto.
Chorou até que alguém lhe bateu à porta. Recusou-se a abri-la, mas a insistência da voz que vinha do lado de fora era mais forte do que sua própria coragem de morrer sozinha. Arrastou-se então até o mais próximo que pôde e girou a chave dourada. A maçaneta virou e a mulher olhou para cima, tentando identificar quem viera vê-la, por mais que o reconhecesse pela voz. Ele segurou-lhe pela cintura e a ajudou a sentar na cama, ajoelhando-se, por fim, em frente dela.
Suplicou-lhe que não se deixasse derrotar. Mas era tarde. Ela continuava a tossir sangue e a lamuriar-se pelo seu fim. Teve uma crise, caiu ao chão. Chorava sem soluçar. Sua voz já se perdera e só podia se comunicar por sussurros. O acompanhante a ergueu pelas costas para perto de seu rosto e colocou-se a ouvi-la. Cantarolava, mesmo que com a voz saturada e com os lábios molhados de sangue, o final da mesma ópera de minutos antes. Ao finalizar o verso final, sorriu e adormeceu.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Nossos Hinos, Opus 2


Em teus lábios 
Na tua lábia 
Sem predições 
Apenas sensações 
Sem amores, 
Só paixões 
Contradições 
Maldições 
Resolvidas com corações 
Desenhadas no peito nu 
Com batom e beijo cru 
Sensível parte iludo 
Sensível alma em luto 
Esculpido teu medo puro 
Meu senso tão nulo 
Meu escudo se tornou pó 
E você me modelou sem dó 
Rodeou meu ar 
Transformou meu só 
Levantou meu espírito 
E eliminou meu castigo.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Morrendo

Com enorme sinceridade
Revelo hoje meu obscuro
A minha dor, caiu meu escudo
Estou sem chão, sem refúgio
Minha aflição é concreta
Estou morrendo
Meu corpo adoecendo
Monstro tardio, irrelevante
Máscaras de medo, triunfantes
Dor latejante, estranho calmante
Morrendo serena, sem gangrena
Mas estar morto dói
E estou morrendo.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Diários de Lúcia, Opus 4


O desejo vai morrendo
Junto com meu espírito
Lúcia que chora,
Lúcia que roga
Espelho da verdade
Detentor de falácias
Lucíola atordoada
Delírios meus
Mulher de luxo
Mulher de muitos
Coração único
Delírios muitos