Contendo-se para
não perder a voz, a cantora soltava suas últimas notas daquela ópera e caía ao
chão, sua personagem mortificada. Se ela pudesse escolher, teria morrido ali
mesmo, junto de sua personagem. Seu túmulo seria sua arte e seu legado seria
sua morte.
Assim que os
aplausos cessaram e ela finalmente pôde fugir daquele palco, das reverências e
dos outros cantores, se trancou no camarim com suas rosas e a camisola branca da
defunta do palco. Uma profunda dor tomou conta de seu peito e ela jogou para
fora toda a agonia que viera segurando desde o primeiro ato. Tossiu, tossiu e
tossiu, até que o sangue jorrasse no lenço. Tossiu mais e o sangue tornou
carmim a camisola.
Tossiu novamente
e o gosto de ferro provindo do sangue se misturou ao sal das lágrimas. Ela
gemeu de um jeito esganiçado, dolorido, e caiu de joelhos. Soltou o ar
bruscamente e sentiu seu peito latejar. Debruçou-se na cama e pegou uma das
rosas do buquê, beijando-a. Unia os tons vermelhos de sua vida em um único
gesto.
Chorou até que
alguém lhe bateu à porta. Recusou-se a abri-la, mas a insistência da voz que
vinha do lado de fora era mais forte do que sua própria coragem de morrer
sozinha. Arrastou-se então até o mais próximo que pôde e girou a chave dourada.
A maçaneta virou e a mulher olhou para cima, tentando identificar quem viera
vê-la, por mais que o reconhecesse pela voz. Ele segurou-lhe pela cintura e a
ajudou a sentar na cama, ajoelhando-se, por fim, em frente dela.
Suplicou-lhe que
não se deixasse derrotar. Mas era tarde. Ela continuava a tossir sangue e a
lamuriar-se pelo seu fim. Teve uma crise, caiu ao chão. Chorava sem soluçar.
Sua voz já se perdera e só podia se comunicar por sussurros. O acompanhante a ergueu
pelas costas para perto de seu rosto e colocou-se a ouvi-la. Cantarolava, mesmo
que com a voz saturada e com os lábios molhados de sangue, o final da mesma
ópera de minutos antes. Ao finalizar o verso final, sorriu e adormeceu.